Especialistas alertam que a superproteção dos pais e da escola pode atrapalhar o desenvolvimento das crianças.
A cena é cada vez mais comum. Basta a criança discutir com um colega,
receber uma crítica em classe, ser recusada na brincadeira organizada
por um grupo na hora do recreio ou ter uma vontade repentina de faltar
na escola e pronto: os pais já invadem a diretoria cobrando
providências. E chegam com o diagnóstico na ponta da língua: "É bullying!"
De tão repetido e debatido nos últimos tempos, o termo ganhou tamanha
popularidade que virou rótulo para qualquer situação de conflito no
ambiente escolar, até para os pequenos desentendimentos aparentemente
normais ou aquelas piadinhas sarcásticas sempre trocadas por
adolescentes. Para o bem da garotada, esse não é o melhor dos cenários,
alertam alguns especialistas. "Considerar que tudo é bullying é tão
nocivo quanto achar que nada é", avisa o psicólogo José Ernesto Bologna,
de São Paulo.
Uma das primeiras a levantar essa polêmica discussão foi a doutora em
psicologia e pesquisadora inglesa Helene Guldberg, autora de Reclaiming
Childhood: Freedom and Play in an Age of Fear ("Reivindicando a
infância: liberdade e brincadeira em uma era de medo"). No livro, ela
denuncia o florescimento, nos Estados Unidos e no Reino Unido, do que
chama de "indústria do bullying". O fenômeno teria encontrado terreno
fértil para crescer porque vivemos em uma época marcada pelo excesso de
proteção e de fiscalização das crianças, assim como pela falta de
confiança de que as pessoas, de modo geral, sejam capazes de solucionar
seus problemas por conta própria.
De acordo com sua tese, não é uma questão de negar a existência do
bullying nem de minimizar sua gravidade, mas de delimitar com maior
rigor quando, de fato, se trata de um episódio que merece essa
classificação e, principalmente, quando uma intervenção é recomendável. A
interferência desmedida de pais ou educadores nas pendengas infantis
acaba alimentando as dificuldades da criança para se relacionar, tanto
na escola quanto na sociedade, e inibindo ou desenvolvimento dela.
O desafio da convivência
Pesquisadores definem o bullying como uma perseguição sistemática que
se materializa em repetidas humilhações verbais ou físicas. Não é raro
que sejam ressaltadas aquelas características que fazem o perseguido se
sentir psicologicamente fragilizado, como o excesso de peso ou a opção
sexual. Os episódios costumam contar com um trio de protagonistas: o
agressor, a vítima e a plateia, que participa da agressão ou apenas se
cala e é conivente. A internet e as redes sociais colocaram mais lenha
na fogueira ao propiciar o surgimento de uma variedade amplificada desse
tipo de violência: o cyberbullying. O que antes ficava circunscrito a
um ambiente social agora pode não obedecer fronteiras e ser praticado 24
horas.
Mas é precisa ficar atenta. Efeito colateral de sua superexposição, o
bullying tem monopolizado todas as atenções e ofuscado outras questões
relevantes, como a discussão se a educação dada hoje às crianças as
prepara mesmo para a vida real. Em seu livro Why School Antibullying
Programs Don't Work ("Por que os programas antibullying das escolas não
funcionam"), não publicado no Brasil, o psiquiatra neozelandês Stuart
Twemlow defende que as estratégias de combate adotadas mundo afora
revelam uma preocupação maior em punir agressores do que em criar um
ambiente de diálogo - e isso é essencial para que as vítimas se sintam
capazes de se defender sozinhas e todos possam encontrar formas mais
saudáveis de se relacionar.
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